Maria, minha mãe, leria de cabo a rabo. ela diria — carlinhos, não entendi isso —; se estivesse com raiva, diria — carlos henrique! para com isso! —; engraçado, depois que passei de um metro e dez, ela nunca mais teve raiva, deixou essa carga sobre mim. definitivamente, fomos muito amigos.

carlos mancuso
carlosmanc@gmail.com

terça-feira, 20 de outubro de 2009

voo

pego a bicicleta e vou pro sumaré. depois do que aconteceu, pedalo com
uma força incomum. no meio da floresta, uma borboleta branca vem
voando desengonçada — borboletas voam assim porque não nasceram
aladas, têm de aprender depois de velhas, as lindas desajeitadas.
então ela vem voando ao meu lado, parece fazer um esforço fodido pra
me acompanhar. pedalo com esforço também, é subida. ela atravessa na
minha frente e toca minha bochecha, a direita. eu recebo o beijo sem
susto, mas ela sai mais atrapalhada ainda, se batendo com suas asas
mais bonitas que eficientes. consegue se safar, voa pra lá. arriscou a
vida pra me beijar. outros vão dizer que foi coincidência. sei que não
é exatamente assim, mas qual beijo não é uma coincidência?